Tony Campolo é um conhecido pregador norte-americano que é também professor de sociologia no Eastern College, no estado da Pennsylvania. Palestrante famoso, destaca-se por sua veemente oratória, poder e força de convicção. Participante ativo de debates e programas de televisão, é também autor de inúmeros livros, sempre abordando temas atuais e relevantes à aplicação da fé cristã no mundo contemporâneo. Aqueles que já tiveram a oportunidade de ouvi-lo sabem que é impossível ficar impassível perante suas colocações. Apresentando proposições raramente pacíficas, mas carregadas de polêmica, ele é mestre em fazer os seus ouvintes pensar, desafiando-os a viver o cristianismo que professam. Esta tem sido sua grande contribuição a este fim de século.
Um dos problemas que podemos apontar no conteúdo de suas mensagens, é a falta de uniformidade no embasamento bíblico de suas persuasões. Com a mesma força e convicção, Campolo apresenta pontos inquestionavelmente baseados em prescrições da Palavra de Deus, mas também nos trás colocações que refletem meramente opiniões pessoais, ou, em algumas ocasiões, uma visão pós-modernista de vida, com todos os modismos característicos de uma cultura - se não declaradamente anti-cristã, sem sombra de dúvidas, não-cristã.
O livro Following Jesus Without Embarassing God (Seguindo a Jesus Sem Causar Vergonha a Deus), ainda não traduzido ao português, é Campolo em sua totalidade, no que tem de melhor e pior. O livro trata da vida cristã prática, procurando divorciar o crente de posturas tradicionalmente "cristãs", mas questionadas por Campolo, numa tentativa de verificar se elas realmente refletem cristianismo genuíno. Sob o tema de que nossas atitudes como crentes representam, muitas vezes, prejuízo e vergonha ao nome de Deus, em vez de testemunho eficaz, Campolo divide o livro em cinco seções principais, todas relacionadas com o "causar vergonha a Deus, ou seguir a Jesus corretamente",
-No seu dia-a-dia.
-No crescimento espiritual.
-No exercício do pensar, em meio ao que você crê.
-Na ação social
-Na vida familiar
Tanto o título do livro como os dos capítulos, em cada seção, evidenciam a perspicácia, acuidade de visão das situações correntes e excelente senso de humor do autor. Tratando descontraidamente das questões do dia-a-dia, na primeira seção do livro, Campolo apresenta: "Como ser rico e ainda um cristão"(Cap. 2) e no capítulo seguinte, "Como exibir um estilo de vida cristão sem ter que se mudar para uma comuna". O próximo capítulo trata dos Amish, tradicional denominação americana, de origem alemã, conhecida por seu rígido estilo de vida nos moldes do século 18 (Cap. 4: "Como se proteger da tecnologia sem ter que se tornar um Amish"). Nesse capítulo, Campolo torna o que poderia ser uma crítica impessoal e cruel a um modo de vida anacrônico, em um verdadeiro exercício de reflexão, no qual ele nos leva a questionarmos a aceitação acrítica da tecnologia em nossas vidas, e como esta interfere com a vida cristã no lar. Em toda esta seção seção, sua defesa da simplicidade e frugalidade de vida é bastante lógica, ao mesmo tempo em que reconhece a possibilidade de pessoas serem abençoadas materialmente e, ainda assim, manterem comprometimentos cristãos e demonstrarem uma preservação das prioridades divinas em seus círculos de ação.
O crescimento espiritual é examinado por Campolo nos capítulos da segunda seção. Em "Como falar de oração sem dizer coisas que depõem contra Deus"(Cap. 6), ele trata do caráter misterioso da oração e alerta para considerações errôneas comuns que terminam por atribuir a Deus ações e atitudes estranhas ao seu caráter. O capítulo seguinte, "Como ter uma vida devocional sem ter que se tornar um monge" (Cap. 7) tenta lançar o desafio de termos uma vida devocional mais intensa. "Como olhar com expectativa para a vinda de Jesus, sem firmar datas" é o capítulo 8, no qual Campolo lida, com surpreendente franqueza, sobre a questão da segunda vinda de Cristo, mostrando o equilíbrio raramente declarado entre uma expectativa escatológica e uma preocupação com as coisas colocadas por Deus em nossa frente, para serem realizadas. O sorvedouro humano no qual se transforma o ativismo cristão desequilibrado é o assunto de "Como se envolver com a sua igreja sem deixar que ela lhe consuma" (Cap. 9). O capítulo final desta seção (10), "Como discernir a vontade de Deus sem ouvir vozes dos céus", apresenta a necessidade de discernimento cristão e os erros de estagnarmos em uma espera, que não tem base bíblica, por revelações mais claras, quando a vontade de Deus já se faz presente em nossas vidas.
A terceira seção é uma abordagem às questões filosóficas da vida, na qual, em três capítulos, ele apresenta a necessidade de uma âncora de pensamento nas verdades imutáveis, mas, paradoxalmente, trata o pós-modernismo sob uma luz relativamente favorável (Por exemplo, o Cap. 13 - "Como se apegar à religião tradicional sem abrir mão do mundo pós-moderno").
Na quarta seção temos a sua denúncia do racismo e da falta de ação social. Campolo apresenta críticas pertinentes, e ele não mede palavras para caracterizar a falta de cristianismo real existente em meios pseudo-conservadores que envergonham de fato o evangelho com suas posturas de vida. O capítulo final desta seção ("Como ser positivo sobre as mulheres sem ser negativo sobre os homens"-Cap. 17) é um dos mais polêmicos e controvertidos.
Na última seção, Campolo apresenta conselhos pertinentes às questões de vida familiar, definindo com precisão situações corriqueiras do dia-a-dia e mostrando a forma bíblica de reagir. "Como criar filhos sem morrer de culpa", é o capítulo 18, no qual ele tenta colocar chamas de esperança aos pais que observam, frustrados, o desenrolar da vida dos filhos por caminhos diferentes daqueles que haviam intencionado. A psicologia popular recebe algumas "bordoadas" no capítulo seguinte (19), e um tema por demais relevante é o assunto do capítulo 20: "Como ser sexualmente atraente sem se tornar obscena". A última seção termina com o capítulo 22, "Como cuidar das pessoas sem ser explorado", no qual um assunto raramente abordado - o dreno emocional produzido por pessoas carentes na vida dos que as aconselham - é apresentado com toda franqueza acompanhada de conselhos práticos.
A validade do livro é evidente, como pode ser visto pelos temas, acima descritos. Campolo, entretanto, demonstra convicções ecléticas que deixaria a maioria dos cristãos de discernimento, desconfortáveis. Ele peca, por exemplo, na citação indiscriminada e, muitas vezes, desnecessária de personagens da história eclesiástica que nem sempre se destacaram pela ortodoxia ou pela contribuição à sã teologia cristã. Não são citações esclarecedoras sobre as posições dessas pessoas, mas, na realidade, "ganchos" expositivos ou de apoio às suas conclusões. O existencialista Sören Kierkegaard é repetidamente citado (pp. 4, 40, 43, 70, 88, 250, 267), como um grande contribuinte à vida cristã prática. Palavras do célebre liberal e cristão alemão, Friedrich Schleiermacher, classificado como "o grande teólogo cristão do século dezenove" (p. 124) também são citadas (p. 271), sem qualquer qualificação ou advertência quanto ao dano que seus ensinamentos causaram à genuína fé cristã. E assim se sucedem Paul Tillich (p. 125), Reinhold Niebuhr, chamado de "o principal filósofo cristão da história recente" (pp. 80, 81), Norman Vincent Peale, o "venerável deão da pregação americana" (p. 39) e outros.
A visão sincretista de Campolo também transparece quando ele apresenta uma apreciação condescendente e paternalista com relação ao Catolicismo Romano, considerando-o praticamente uma denominação (pp. 17, 27) em vez de uma distorção da religião verdadeira, que adora a Deus sem intermediários outros, senão Jesus Cristo. Campolo chega até a apresentar a posição monástica beneditina e suas práticas de meditação, como alvos a serem emulados pelos protestantes (pp. 65, 67, 69).
Semelhantemente, a falecida Madre Teresa de Calcutá (uma unanimidade quase universal - inquestionável em sua dedicação, mas inconseqüente e espiritualmente perigosa em sua mensagem) é citada em várias declarações (p. 58), algumas até desnecessárias ao ponto que está sendo exposto (p. 69) e apresentada como o produto de uma "boa teologia" (p. 105). Na maioria dessas citações Campolo dá a impressão que o seu interesse é mais o de citar personalidades, do que na ilustração e comprovação de verdades. Sua compreensão pluralista pós-moderna também se evidencia, quando defende a utilização de linguagem inclusivista (contraposta à chamada linguagem exclusivista, do gênero masculino), um fetiche predileto dos liberais da atualidade, para se referir a Deus de forma assexuada, como se fosse uma maneira superior de comunicação espiritual (p. 194).
Chegamos a nos perguntar aonde Campolo quer chegar e que limites da ortodoxia ele quer pressionar, quando expõe e defende os lados femininos de Jesus e de Deus e dos homens em geral (pp. 195-200) como uma realidade essencial a ser apreendida pelo cristianismo. O autor rende-se, com essa posição, a outro tema favorito dos pós-modernos, sem qualquer embasamento Bíblico para tal. Campolo também acata, por razões meramente sociológicas, a questão polêmica da ordenação feminina (p. 191), com o eufemismo ".. todos nós somos ordenados ao ministério" (p. 193), fazendo referência a Ef 4.9-10.
No campo filosófico, Campolo abraça uma compreensão indefinida e difusa. Às vezes suas discussões são respaldadas no pós-modernismo (pp.128-132), mas em outras ocasiões recorre a formas "hegelianas" ultrapassadas, como por exemplo, quando fala do comportamento da criança e recorre a tese, antítese e síntese (pp. 224, 225) para demonstrar suas conclusões.
A compreensão teológica de Campolo é, evidentemente, não reformada. Suas motivações de evangelização e até de ação social, são mais humanistas do que teocêntricas. Decididamente, ele não é um apreciador de Calvino, colocando-o em justaposição a Charles Wesley (p.123), abertamente favorecendo ao último em detrimento da teologia do Reformador. A apreciação de Campolo pela posição mais aberta e eclética de Wesley, e o seu deslumbramento com o pós-modernismo ao qual já nos referimos, o leva-o a declarar Wesley como sendo "um pós-moderno muito antes de se estar falando sobre pós-modernismo" (p. 123). O zelo de Oliver Cromwell, que procurou purificar a igreja abolindo ídolos, incomoda Campolo, pois "hoje em dia lamentamos quanta arte medieval foi perdida" (p. 199). Em sua opinião, a igreja foi prejudicada pois ficou carente de entendimento sobre a espiritualidade daquela era, conhecimento esse que nos seria transmitido pelas obras de arte destruídas. Semelhantemente, sua compreensão do que se constitui a "vontade de Deus"-vontade intencional, circunstancial e última (pp. 48-49), parece mais retratar um Deus que reage ao homem soberano do que ser uma visão bíblica do Deus que soberanamente executa os seus planos na história.
Parece, com essas observações, que estou ávido de jogar Campolo e seu livro no lixo. Espero não ter dado essa impressão. Gostei da leitura, Campolo me deu novas perspectivas de aferição da vida cristã e estimulou o meu pensar. Não recomendaria o seu livro a todos, entretanto. Se pudesse editá-lo à vontade, possivelmente sairia com um bom livro com cerca de 50% de excelente material de reflexão. Tenho, entretanto, a preocupação real de que os escritos de Campolo, se absorvidos sem um mínimo de discernimento e crítica, venham a causar mais dano e divisão do que bem. Quanto à sua tradução e colocação em disponibilidade, em português, é minha compreensão que atravessamos um estágio na igreja brasileira onde a exposição e aplicação prática das doutrinas básicas, aliada à uma real reformulação de estilos de vida herdados de uma "cultura malandra" por natureza - conformando-os à postura bíblica de honestidade, seriedade e sobriedade - representa a grande necessidade a ser preenchida. Esse objetivo só será alcançado com obras mais "pé no chão" e direcionadas à nossa realidade, fugindo de estímulos até um pouco mais intelectualizados, e interessantemente controvertidos, mas que passam ao largo da cristalina ortodoxia. Simplicidade, é a palavra chave e nem sempre o traslado das experiências americanas, tão diversificadas das nossas, é o melhor caminho. Despertar o interesse dos leitores brasileiros, tão nclinados ao sensacionalismo, e avessos à leitura, para a simplicidade da verdade, é o grande desafio editorial e de marketing confrontado pelas nossas editoras evangélicas, principalmente aquelas de cunho confessional.
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