1 - A Lei de Deus - "Então falou Deus todas essas palavras..." Ex 20.1
Os três aspectos da Lei de Deus
Os Mandamentos na Antiga e na Nova Aliança.
A pergunta dos fariseus.
Sl 119.73 - "As tuas mãos me fizeram e me afeiçoaram; ensina-me para que aprenda os teus mandamentos".
A Lei de Deus é um dos temas mais presentes nas Escrituras e, possivelmente, um dos mais mal compreendidos pelo Povo de Deus. Mesmo com o extenso tratamento que Paulo dá ao assunto, nos primeiros 8 capítulos da carta aos Romanos, muitos crentes compreendem a Lei apenas como uma expressão da atuação de Deus no Antigo Testamento, com pouco significado para os nossos dias. Não se disputa que a Lei de Deus contrasta com o pecado, mas existe uma atitude quase de desprezo, quanto à sua aplicação contemporânea. Precisamos dar a devida importância a esse tema tão precioso. O salmista Davi o o considerou tão importante que o colocou como pedra fundamental de todo o Salmo 119. Nesse salmo a Lei de Deus é mencionada sob vários sinônimos em praticamente todos os seus versículos. Necessitamos encontrar o papel da Lei na nossa vida diária e descobrir nela a misericórdia e graça de Deus para cada um de nós. Ela aponta a trilha correta a ser seguida, em nossa vida, e representa a expressão concreta do nosso amor para com ele.
Somos todos pecadores. Mas pecadores redimidos pelo sangue do nosso Senhor Jesus Cristo devem reconhecer que a Lei de Deus enfatiza tanto a sua santidade como a nossa insuficiência perante ele. Além disso, temos na Lei o caminho traçado por Deus para demonstrarmos amor a ele e ao nosso próximo. Não podemos conseguir a salvação seguindo leis, mas não devemos desprezar essa dádiva graciosa de Deus para nossa instrução. Ou seja, é verdade que não podemos conseguir a salvação seguindo a Lei. É igualmente verdade, entretanto, que demonstramos amor quando obedecemos os mandamentos de Deus (Jo 14.15, 21).
Uma das dificuldades no nosso entendimento desse assunto, é que a expressão "Lei de Deus" é bastante abrangente e pode ter vários significados e aspectos bíblicos. Necessitamos estudar especificamente aquilo que conhecemos como a Lei Moral de Deus. Mais precisamente, devemos examinar o resumo dessa Lei Moral apresentado pelo próprio Deus nos Dez Mandamentos e também por Jesus Cristo, na sua resposta aos Fariseus (Mt 22.34-40).
Os três aspectos da Lei de Deus.
Voltemos, portanto, à pergunta - o que é a Lei de Deus? Deus proferiu e revelou diversas determinações e deveres para o homem, em diferente épocas na história da humanidade. Sua vontade para o homem, constitui a sua Lei e ela representa o que é de melhor para os seus. Quando estudamos a Lei de Deus, mais detalhadamente, devemos, entretanto, discernir os diversos aspectos, apresentados na Bíblia, desta lei. Como devemos classificá-la e entendê-la? Muitos mal-entendidos e doutrinas erradas podem ser evitadas, se compreendermos que a Palavra de Deus apresenta os seguintes aspectos da lei:
1. A Lei Civil ou Judicial- Representa a legislação dada à sociedade ou ao estado de Israel, por ex.: os crimes contra a propriedade e suas respectivas punições.
2. A Lei Religiosa ou Cerimonial -Esta representa a legislação levítica do Velho Testamento, por ex.: os sacrifícios e todo aquele simbolismo cerimonial.
3. A Lei Moral -Representa a vontade de Deus para com o homem, no que diz respeito ao seu comportamento e seus deveres principais.
Mas como devemos entender a validade desses aspectos da lei? São todos válidos aos nossos dias? Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte compreensão:
1. A Lei Civil: Tinha a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático de Israel. Era temporal e necessária para a época à qual foi concedida, mas foi específica para aquele estado teocrático. Como tal, não é aplicável normativamente em nossa sociedade. Um exemplo de erro de compreensão é encontrado nos Sabatistas (Adventistas do Sétimo Dia). Eles erram em querer aplicar parte dela, ao nosso dia-a-dia, mas terminam em incoerência, pois nunca vão conseguir aplicá-la, nem fazê-la requerida, em sua totalidade.
2. A Lei Religiosa : Tinha a finalidade de impressionar aos homens a santidade de Deus e concentrar suas atenções no Messias prometido, Cristo, fora do qual não há esperança. Como tal, foi cumprida com Sua vinda e não se aplica aos nossos dias. Mais uma vez, como exemplo de falta de compreensão desse aspecto da lei, temos os Adventistas, que erram em querer aplicar parte dela nos dias de hoje (como por exemplo as determinações dietéticas) e em misturá-la com a Lei Civil.
3. A Lei Moral : Tem a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres, revelando suas carências e auxiliando-o a discernir o bem do mal. Como tal, é aplicável em todas as épocas e ocasiões e assim foi apresentada por Jesus, que nunca a aboliu. Neste caso, os Adventistas acertam em considerá-la válida, porem erram em confundi-la e em misturá-la com as duas outras, prescrevendo uma aplicação confusa e desconexa.
O gráfico a seguir apresenta este entendimento da Lei e pode nos auxiliar na visualização da aplicabilidade das Leis de Deus, ao período atual em que vivemos:
Como entender o gráfico? Note que os Dez Mandamentos, ou a Lei Moral de Deus, possui validade total, isto é: tanto histórica - está entrelaçada na história da revelação de Deus e da redenção do seu Povo; como didática - ela nos ensina o respeito ao nosso Criador e aos nossos semelhantes; como reveladora - ela nos revela o caráter e a santidade de Deus, bem como a pecaminosidade das pessoas; como normativa - ela especifica com bastante clareza o procedimento requerido por Deus a cada uma das pessoas que habitam a sua criação, em todos os tempos.
Por outro lado, a Lei Religiosa ou Cerimonial, no cômputo geral, possui validade parcial, isto é: A validade histórica é total - está igualmente entrelaçada na história da revelação de Deus e da redenção do seu Povo; a validade didática também é total - cada detalhe dela demonstra a insuficiência dos sacrifícios repetitivos e a intensidade dos pecados individuais que nos separam de Deus; sua validade reveladora é também intensa (bastante), mas menor do que as duas precedentes - ela era mais reveladora para os santos do antigo testamento, apontando para o Messias, do que para nós, que contamos com a completa descrição histórica da vinda do Messias prometido, Jesus Cristo; Sua validade normativa, entretanto, não existe aos nossos dias - a Lei Cerimonial, tendo sido cumprida em Cristo, não tem validade normativa para aqueles que existem em nossa era, após a vinda do Messias prometido.
Os Dez Mandamentos.
Na dádiva das "Tábuas da Lei", ou seja nos Dez Mandamentos (Ex. 20:1-13), Deus resumiu a sua Lei Moral apresentando-a formalmente, e registrando-a, sucinta e objetivamente, para o benefício do seu povo.
É necessário atentarmos para o contexto histórico da ocasião. Foi a primeira vez que Deus falou coletivamente ao Seu Povo. Existiram inúmeras preparações necessárias para ouvi-lo. Essas estão todas relatadas em detalhes a partir do início do capítulo 19 do livro de Êxodo. Quando nós lemos os dois capítulos (19 e 20) cuidadosamente, procurando nos colocar na situação atravessada pelo Povo de Deus naquela ocasião, verificamos como o texto transmite o temor do povo perante a santidade de Deus. Isso é impressionante! Após ouvir ao Senhor e a Moisés, inicialmente, o povo suplicou a Moisés que intermediasse este contato com Deus, tamanho era o temor (20.19), perante a majestade do Deus soberano.
O incidente da dádiva da Lei, e os acontecimentos que se seguiram, evidenciam a fragilidade do Povo de Deus e do Homem, em geral. Após tal demonstração de poder e santidade, logo se esqueceram de suas obrigações e, evidenciando ingratidão, caíram em idolatria, adorando o bezerro de ouro (Ex 32). Isto mostra o desprezo do ser humano, caído, pela Lei.
Os Dez Mandamentos estabelecem obrigações e limites para o Homem. O seu estudo aprofundado mostra a sabedoria infinita de Deus, bem assim como a harmonia reinante em Sua Palavra. Revela também nossa insignificância perante Ele, nossa dependência e necessidade de redenção, em virtude do nosso pecado. O Homem pecou em Adão e desde então é incapaz de cumprir a Lei de Deus. Os Dez Mandamentos, reforçam nossas obrigações para com o nosso Criador, e para com os nossos semelhantes, em todos os sentidos.
Os Dez Mandamentos e o Amor - A Pergunta dos Fariseus.
Um incidente bíblico reafirma a validade da Lei Moral de Deus em todos os tempos, tanto na antiga como na nova aliança, e reforça o relacionamento da lei com o amor. Referimo-nos ao trecho encontrado em Mt 22.34-40. Os Fariseus não estavam inquirindo em sinceridade, mas queriam, como sempre, confundir a Jesus. Perguntaram a ele qual o maior dos mandamentos. Eles se entregavam a esse tipo de discussão continuamente e geravam grande controvérsia, com a defesa de um ou de outro mandamento. Nesse sentido, pensavam que qualquer que fosse a resposta de Jesus, iriam indispô-lo, com um grupo ou com outro. Jesus, entretanto, não cita nenhum mandamento específico do decálogo, mas faz referência, conjuntamente, a dois trechos conhecidos das Escrituras (Dt 6.5 e Lv 19.18), fornecendo um resumo dos dez mandamentos. Os dez mandamentos podem ser divididos da seguinte forma:
Mandamentos 1 a 4 |
Nossas obrigações para com o nosso criador - Deus
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Mandamentos 5 a 10 |
Nossas obrigações para com o nossos semelhantes
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Jesus apresenta exatamente esse entendimento da Lei, em Mt 22.37-40:
Mandamentos 1 a 4 |
V. 37 - Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento.
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Mandamentos 5 a 10 |
V. 39 - Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
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Jesus Cristo, portanto, não descarta a lei. Ele foi o exemplo de cumprimento dela e aqui ele a resume, utilizando declarações do próprio Antigo Testamento. O seu ensino expande o entendimento anterior que se possuía da lei. Deus está interessado não apenas no cumprimento externo da lei - naquele evidenciado aos circunstantes, mas naquele cumprimento que procede de uma profunda convicção interna: do amor tanto por Deus como pelo próximo. Esse é o cumprimento que surge de uma vida transformada, tocada e operada pelo Espírito Santo de Deus.
Temos nos acostumado a considerar "amor" algo intangível, indescritível, totalmente subjetivo, abstrato. Mas o conceito bíblico do amor é bem diferente. Ele é tangível - somos recebedores e experimentamos o amor de Deus e temos a capacidade de amar a Deus e aos nossos semelhantes; ele é descritível (1 Co 13); ele é totalmente objetivo, mas, sobretudo, o verdadeiro amor se demonstra em ações concretas que agradam a Deus, pelo cumprimento de suas diretrizes (Jo 14.15 - "se me amais, guardareis os meus mandamentos"). Assim o amor se relaciona com a lei. A forma de demonstrarmos amor a Deus é pelo cumprimento de seus mandamentos, principalmente dos primeiros quatro, que representam nossas obrigações diretas para com ele. A forma de demonstrarmos amor para com o nosso próximo é demonstramos respeito através do preenchimento de nossas obrigações para com os nossos semelhantes - ou seja, pelo cumprimento dos últimos seis mandamentos.
A Lei de Deus Hoje.
Qual a nossa compreensão da lei de Deus? Estamos negligenciando o seu estudo? Estamos desprezando a sua validade, como um instrumento de direcionamento às nossas ações? Será que temos sentimentos de auto-justiça e estamos insensíveis quanto à nossa pecaminosidade e quebra dos preceitos divinos?
Vivemos numa era que despreza absolutos. Hoje em dia a filosofia "da hora" é dizer que não existe uma verdade, mas múltiplas "verdades", algumas dessas contraditórias entre si. Podemos ver como esse pensamento é contrário ao Deus vivo e verdadeiro e à sua revelação? Podemos ver que, na sua lei moral, ele indicou verdades absolutas que estabelecem a linha de demarcação entre o certo e o errado? Podemos entender, quando Jesus Cristo se apresenta como "o caminho, a verdade e a vida", que o pluralismo de opiniões, nas doutrinas cardeais da fé cristã, é uma idéia nociva à igreja de Deus?
Nosso grande desafio, em nossa era, é a apresentação de uma filosofia de vida que é absoluta e exclusivista em sua essência. A fé cristã verdadeira tem todas as suas premissas básicas estabelecidas na objetiva palavra de Deus, escrita para o nosso conhecimento real e verdadeiro e para o direcionamento dos nossos passos. Lembremo-nos das afirmações bíblicas sobre Deus e nosso mediador, Jesus Cristo: "Ouve, ó Israel, o Senhor vosso Deus, é o único Deus..." e "... ninguém vem ao pai, senão por mim..."
O ensinamento do Catecismo Maior de Westminster (perguntas 91 a 98):
P. 91. Qual é o dever que Deus requer do homem?
R. O dever que Deus requer do homem é obediência à sua vontade revelada.
Ref. Dt 29.29; Mq 6.8; 1Sm 15.22
P. 92. Que revelou Deus primeiramente ao homem como regra da sua obediência?
R. A regra de obediência revelada a Adão no estado de inocência, e a todo o gênero humano nele, além do mandamento especial de não comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, foi a lei moral.
Ref. Gn 1.27; Rm 10.5 e 2.14,15; Gn 2.17
P. 93. Que é a lei moral?
R. A lei moral é a declaração da vontade de Deus, feita ao gênero humano, dirigindo e obrigando todas as pessoas à conformidade e obediência perfeita e perpétua a ela - nos apetites e disposições do homem inteiro, alma e corpo, e no cumprimento de todos aqueles deveres de santidade e retidão que se devem a Deus e ao homem, prometendo vida pela obediência e ameaçando com a morte a violação dela.
Ref. Dt 5.1, 31, 33; Lc 10.26-28; Gl 3.10; 1Ts 5.23; Lc 1.75; At 24.16; Rm 10.5
P. 94. É a lei moral de alguma utilidade ao homem depois da queda?
R. Embora nenhum homem, depois da queda, possa alcançar a retidão e a vida pela lei moral, todavia ela é de grande utilidade a todos os homens, tendo uma utilidade especial aos não regenerados e outra aos regenerados.
Ref. Rm 8.3; Gl 2.16; 1Tm 1.8
P. 95. De que utilidade é a lei moral a todos os homens?
R. A lei moral é de utilidade a todos os homens, para os instruir sobre a natureza e vontade de Deus e sobre os seus deveres para com ele, obrigando-os a andar conforme a essa vontade; para os convencer de que são incapazes de a guardar e do estado poluto e pecaminoso da sua natureza, corações e vidas; para os humilhar, fazendo-os sentir o seu pecado e miséria, e assim ajudando-os a ver melhor como precisam de Cristo e da perfeição da sua obediência.
Ref . Lv 20.7,8; Rm 7.12; Tg 2.10, 11; Mq 6.8; Sl 19.11,12; Rm 3.9, 20, 23 e 7.7, 9, 13; Gl 3.21,22; Rm 10.4.
P. 96. De que utilidade especial é a lei moral aos homens não regenerados?
R. A lei moral é de utilidade aos homens não regenerados para despertar as suas consciências a fim de fugirem da ira vindoura e forçá-los a recorrer a Cristo; ou para deixá-los inescusáveis e sob a maldição do pecado, se continuarem nesse estado e caminho.
Ref. 1Tm 1.9,10; Gl 3.10, 24; Rm 1.20, 2.15.
P. 97. De que utilidade especial é a lei moral aos regenerados?
R. Embora os que são regenerados e crentes em Cristo sejam libertados da lei moral, como pacto de obras, de modo que nem são justificados, nem condenados por ela; contudo, além da utilidade geral desta lei comum a eles e a todos os homens é ela de utilidade especial para lhes mostrar quanto devem a Cristo por cumpri-la e sofrer a maldição dela, em lugar e para bem deles, e assim provocá-los a uma gratidão maior e a manifestar esta gratidão por maior cuidado da sua parte em conformarem-se a esta lei, como regra de sua obediência.
Ref. Rm 6.14 e 7.4, 6; Gl 4.4,5; Rm 3.20 e 8.1, 34 e 7.24,25; Gl 3.13,14; Rm 8.3,4; 2Co 5.21; Cl 1.12-14; Rm 7.22 e 12.2; Tt 2.11-14.
P. 98. Onde se acha a lei moral resumidamente compreendida?
R. A lei moral acha-se resumidamente compreendida nos dez mandamentos, que foram dados pela voz de Deus no monte Sinai e por ele escritos em duas tábuas de pedra, e estão registrados no capítulo vigésimo do Êxodo. Os quatro primeiros mandamentos contêm os nossos deveres para com Deus e os outros seis os nossos deveres para com o homem.
Ref. Dt 10.4; Mt 22.37-40.
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