O autor desta obra, Alexandre de Carvalho Castro, é Bacharel em Teologia, Bacharel em Psicologia, Mestre em Psicologia Social, Mestre em Tecnologia e Doutorando em Psicologia. Leciona psicologia, psicologia da religião e teologia sistemática no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. O apresentador da obra, Manoel Morais, é professor de filosofia no Seminário Teológico Presbiteriano do Rio de Janeiro, e presidente do Instituto de Estudos de Religião e Sociedade da América Latina (IERSAL).O apresentador oferece o livro como um "início" das "atividades de pesquisas" do IERSAL (3).
Certamente esperamos que as atividades de pesquisas posteriores tenham uma metodologia mais objetiva e um estilo realmente acadêmico e sério. O livro parece, na realidade, mais um panfleto inflamado produzido por um autor que detesta a teologia cristã clássica e ataca os redutos onde essa ocorre como uma metralhadora giratória, da qual saem petardos chulos (por exemplo, Jay Adams é referido como "aquele, macabro, da "família Adams"" - p. 44) e gracinhas lingüísticas sem substância (por exemplo, referindo-se a Wayne Grudem, reclama da "insistência para que não desgrudem dele" - p. 12). A descrição do autor encontrada na apresentação, é de alguém que se destaca "pelo seu zelo didático e analítico" (3) e que substancia suas afirmações com "documentação de campo". Certamente essa não deveria ser uma referência ao trabalho em questão, que se caracteriza exatamente por querer substanciar sua tese através de enfadonhas repetições de slogans e frases de efeito, bem como pelo apelo a uma análise de "leituras" seguindo a metodologia de Foucault (1926-1984).
Castro está obcecado contra a repetição de verdades. Ele se coloca frontalmente contra qualquer teólogo ou esforço que procure demonstrar que a fé cristã é histórica e alicerçada em conceitos imutáveis e que documentos, produzidos ao longo da história da igreja, que refletem essa fé, possam ser de qualquer utilidade à igreja contemporânea. Castro obviamente, escreve em cima de premissas pós-modernas, e extraímos de sua rejeição à fé reformada histórica a noção de que verdades são mutáveis e dinâmicas e a repetição de âncoras metafísicas não atende ao anseio das mentes contemporâneas, que se deleitam em "ventos de doutrina" para manterem o interesse nos estudos e o academicismo desconstrucionista que tem caracterizado os teólogos desta década.
O interessante, é que ele cai exatamente condenado pela tese que está levantando e tentando provar. Em sua compreensão, a apresentação da doutrina reformada, retratada nos credos históricos da igreja, nada mais é do que uma repetição constante de verdades ultrapassadas. Castro chega a essa brilhante dedução examinando o que ele chama de "discursos" (um rótulo favorito dos desconstrucionistas) pela ótica de Foucault, estudando o contexto de onde surgiram tais "discursos". Encontra a defesa da fé reformada envolvida em um círculo vicioso, onde a simples repetição equivale a substanciação para sua aceitação cada vez mais ampla. Assim, o primeiro capitulo do livro tem o título de "A temática da repetição sistemática". Castro parece não perceber que o tema da repetição, que tão o apaixona, é exatamente a metodologia que segue na apresentação do seu trabalho.
A primeira frase do primeiro capítulo parece descrever o seu próprio trabalho: "...há um certo tipo de discurso teológico que padece de uma simplificação recorrente, de uma pobreza simbólica, de uma trivialidade insignificante" (9). Obviamente, quando fala de "simplificação recorrente" ele não poderia estar falando da fé reformada histórica com toda a sua abrangência e riqueza, apresentando a sistematização dos ensinamentos bíblicos, dos atos e feitos de Deus. Certamente ele não poderia estar atribuindo "pobreza simbólica" à fé reformada, produtora de inúmeros símbolos de fé, os quais, apesar de suas abordagens multipolarizadas, mantêm total coerência com as proposições das Escrituras. Seguramente não pode querer atribuir "trivialidade" aos teólogos do passado, gigantes homens de Deus, como Calvino, Owen, os Hodge, cujas obras atravessaram o tempo e são reeditadas, lidas e estudadas nos dias de hoje, exatamente porque possuem profundidade, pertinência e mérito.
Mas é isso que ele faz. Castro apresenta aquela tendência recorrente aos intelectuais emergentes os quais, como se houvessem descoberto uma nova perspectiva de avaliação e visão, colocam-se a si mesmos em uma casta distanciada dos meros mortais, possibilitando-os a julgar a necessidade dos demais e a pertinência do que deve ou não ser alimentados à plebe ignara. Assim, na p. 9 ele diz: "insistir na retórica teológica oitocentista, é responder a perguntas que ninguém mais está fazendo". Sua visão evolutiva da religião é evidente. Em sua compreensão, teologia não trata de verdades cardeais fundamentais, reveladas nas Escrituras, mas de discursos metafísicos, mutáveis com o tempo e com a sociedade.
Para Castro é um erro mortal o que está ocorrendo na cena editorial brasileira, e assim, ele dispara o seu primeiro petardo contra editoras sérias que estão preocupadas em trazer ao conhecimento do público brasileiro grandes obras teológicas que, até algumas décadas, estavam disponíveis somente em língua inglesa. Esse grande desserviço à igreja brasileira, estaria sendo perpetrado por várias editoras, que o autor chama de "alcatéia editorial" (10), entre as quais a Vida Nova ("Introdução à teologia Sistemática", de Millard Erickson; "Teologia Sistemática" de Wayne Gruden; "Teologia Bíblica ou Sistemática"?, de Donald A. Carson); a Hagnos ("Teologia Sistemática" de Charles Hodge); A Cultura Cristã ("Teologia Sistemática"de Louis Berkhof; "Teologia Concisa", de J. I. Packer; "); a Imprensa Batista Regular ("Teologia Sistemática" de D. Bancroft); a PES ("Histórias das Doutrinas Cristãs" de Louis Berkhof e "Esboços de Teologia" de A. A. Hodge); a SOCEP ("Teologia Sistemática" de Hermann Bavinck); e a FIEL ("Manual de Teologia" de John L. Dagg, classificado de "jurássico" pelo autor). [1]
É evidente que, para o autor, teologia é como iogurte que perde sua validade dentro de algum tempo. Repetindo constantemente o seu jargão preferido - a análise das "práticas discursivas" - ele apresenta essas obras como detentoras de conteúdos "quase que rigorosamente iguais" cujos "rótulos de validade" (10) já estariam vencidos. Seu ódio pelos autores clássicos da fé reformada não é escamoteado. Jonathan Edwards não é o pensador cristão profundo e evangelista sincero através do qual Deus operou inúmeras conversões e um verdadeiro reavivamento. Ele é retratado apenas como um "pós-milenista alucinado" (11). Charles Spurgeon tem o defeito de já estar "falecido" (11) e Richard Baxter não é apresentado como um pregador itinerante que escreveu um compêndio precioso a outros pastores, incentivando-os ao estudo das Escrituras e ao exercício da verdadeira devoção cristã. Baxter é alguém que apresentou uma "opção preferencial pela burguesia" (11). Aliás, procurando ser "avant-gard" e "progressista" em suas posições, o autor nada mais faz do que refletir um linguajar ultrapassado da esquerda militante de trinta anos atrás: o Dallas Theological Seminary, é rotulado de "reacionaríssimo" (10); a Southern Baptist Church é de "extrema-direita"(18); Baxter, é "burguês"; a política externa norte-americana é "ação imperialista" (18); sua ânsia é por uma teologia brasileira, como se verdades exibissem cores nacionais.
Castro, possivelmente procurando uma demonstração de que, no fundo, é caridoso e não deseja simplesmente obliterar da história esses autores cujo conteúdo rejeita, coloca que tais trabalhos possuem validade "para arqueólogos" e que são "até apropriados para estudos da História da Teologia" (11). Logo a seguir, entretanto, reafirma seu incômodo e desprazer com tais publicações, apontando o conteúdo transmitido nesses livros, o qual rotula de "reprodução catatônica", como um "problema substantivo para a igreja evangélica brasileira".
Castro bebe continuadamente no trabalho de Foucault, de quem cita extensivamente. Mas quem é Foucault para emitir palavras de autoridade pelas quais a propriedade de uma escola ou outra de teologia venha a ser julgada? Será que o autor ouviria Barth, ou será que o considera também um dos que caíram presa da rejeitada "teologia oitocentista"? Mesmo sem ser considerado o campeão da ortodoxia, Barth escreveu palavras pertinentes àqueles que procuram aferir teologia pelos campos de conhecimento estranhos a ela, como o autor pretende, utilizando o desconstrucionismo de Foucault: "A teologia precisa renunciar à sua apologética ou às garantias externas de sua posição dentre as ciências, pois sempre subsistirá no mais firme dos alicerces quando simplesmente agir de acordo com a lei de sua própria natureza". [2]
Se o autor quer disputar a validade das correntes teológicas que rejeita, porque não se dirige às Escrituras e compara as proposições e ensinamentos dessas com o que foi escrito pelos "oitocentistas" refugados? Por que ele parte para a "análise do discurso", mesmo registrando que isso "ainda não é um procedimento muito usado no contexto da teologia" (25)?
A resposta não é tão difícil assim. Ele não se prende às Escrituras porque reflete o tipo de mentalidade que acredita que a obtenção de conhecimentos religiosos, ou de proposições com validade metafísica, se processa fora da exclusividade autoritária das Escrituras - isso é óbvio em sua dependência da Foucault. É evidente, também, que, para Castro, a Bíblia não é a Palavra de Deus apesar dela, momentaneamente, poder ser considerada como tal (mas não no sentido histórico do termo). Ou seja, ele considera que as proposições das Escrituras são tão vagas que acomodam qualquer forma subjetiva de pensamento, pois escreve: "Dentro da perspectiva da fé cristã, a riqueza extraordinária atribuída à Bíblia, enquanto "Palavra de Deus", cria uma possibilidade, quase infinita de se falar" (14).
No entanto, esse foi exatamente um dos pontos cruciais da Reforma do Século XVI - Sola Scriptura - somente as escrituras falam com autoridade sobre as questões eternas, ou, no cômputo geral, no campo da teologia. Os credos históricos reafirmam essa singularidade, pertinência e autoridade das Escrituras. A Confissão de Fé de Westminster, um dos documentos rejeitados e ridicularizados pelo autor, inicia exatamente com um capítulo dedicado às Escrituras. A inferência é - de nada adianta a construção especulativa ou filosófica sobre a divindade, sobre a situação da humanidade, sobre o propósito de vida das pessoas, e sobre o destino final de todos, se esse conhecimento for derivado fora das Escrituras. Mas para o autor, enquanto credos, tratados teológicos e escritos insistirem que essa é uma proposição verdadeira e formularem os ensinamentos a partir desta premissa, estamos vivenciando "prática discursiva repetitiva" e, não somente inválida, como prejudicial à igreja contemporânea. Essa é a visão do ativismo social mas alienador espiritual, da teologia da libertação, da teologia do processo e de outros ramos teológicos peculiares ao pós-modernismo no qual nos situamos. Teologia especulativa tem existido há séculos. Na era cristã, já existia nos gnósticos e se faz presente hoje como ocorrerá no dia de amanhã. A conseqüência nefasta desse afastamento da ortodoxia e da fé cristã histórica é a cauterização de milhares de mentes que, julgando-se autônomas de um deus retratado como não sendo soberano, rejeitam a mensagem do evangelho salvador de Cristo, entregando-se a especulações vãs e mortais, no sentido mais eterno possível.
No segundo capítulo, "The Founders Conference", Castro retrata o seu desprazer com o rumo tomado pelos Batistas do sul dos Estados Unidos, a partir da década de 70 (30) quando os conservadores começaram a ocupar postos chaves na denominação, principalmente nos seminários e vários daqueles que procuravam ensinar uma visão teológica diferente da fé cristã histórica, foram removidos de suas posições de influência. No linguajar de Castro os conservadores que lutaram pela firmeza doutrinária da denominação são chamados de "golpistas" (33).
A análise do fundamentalismo norte-americano é falha e baseia-se em fontes obviamente hostis à ortodoxia defendida pelo fundamentalismo histórico. [3] O nome fundamentalismo, sabemos, adquiriu conotação pejorativa ao longo da história, mas inicialmente pretendia tão somente defender alguns pontos cardeais da fé cristã, contrapondo-se ao liberalismo que procedia da Europa e se infiltrara em seminários norte-americanos. [4] Hoje em dia é sinônimo de radicalismo. Apesar de Castro reconhecer as múltiplas vertentes ("não há senso comum monosignificativo" no termo - 17) ele utiliza o termo para caracterizar os conservadores da "Southern Baptist Convention", chamando o movimento, surgido dentro da convenção - "Founders Conference", de "militância do pensamento-único"(20).
Para Castro, o horror dos horrores sobrevém sobre a denominação quando alguns conservadores começam a chamar atenção para o retorno, também, da fé reformada, para o tipo de pregação e teologia encontrada nos sermões e escritos de Spurgeon, por exemplo. Esse segmento promoveu uma conferência anual que ficou conhecida como a "Founders Conference" (posteriormente, "Founders Ministries") - uma referência ao retorno à teologia dos fundadores da denominação. Castro registra, contrariado, essa "caminhada de aproximação junto à teologia calvinista ortodoxa" (34). Esse "inegável ressurgimento do interesse no Calvinismo" (35) é denunciado por Castro, bem como referências encontradas nas páginas da Internet dos "Founders" nas quais há a procura, para a liderança de pessoas "que tenham compreensão das "doutrinas da reforma"" (36). Para o autor, isso representa um destrutivo "casamento do fundamentalismo com o calvinismo" (40) no qual doutrinas como a da predestinação e da expiação limitada, estão sendo revividas (40).
Considerando esse retorno à fé reformada um libelo acusatório (em nenhum momento ele procura provar que esse retorno é anti-bíblico, mas assume a concordância tácita de seus leitores, de que isso é um absurdo!), Castro passa para acusações individuais no campo da igreja brasileira, especialmente no seio dos batistas. A Editora Fiel, com sua conferência anual, liderada pelo Pastor Richard Denham, é citada como uma influência deletéria em nossa terra. Ela é "um eco da discursividade "founders" em terras tupiniquins" (43). As conferências e publicações da Fiel, aos olhos do autor, não provém de um desejo sincero de retorno à fé cristã histórica, mas de uma "aspiração hegemônica" para atingir o "leitor desavisado" (43).
Os ataques pessoais continuam e Denham é acusado do crime de promover a tradução de "livros de Lloyd-Jones, Jay Adams (aquele, macabro, da "família Adams"), Spurgeon e Ryle" (44) Aí, a ojeriza de Castro à vertente reformada fica bem evidente. Note a forma acadêmica e respeitosa de se referir ao teólogo Jay Adams, responsável por uma verdadeira revolução no campo de aconselhamento bíblico, exatamente por olhar para trás (para a Bíblia) e resgatar a noção de pecado e responsabilidade pessoal, nos problemas experimentados pelos aconselhados.
O pastor Franklin Ferreira é premiado com duas citações de artigos seus. No primeiro artigo, o Pastor Franklin Ferreira está se regozijando com os avanços da fé reformada no Brasil, especialmente pelos esforços da Editora Fiel. Isso é suficiente para colocá-lo no Index de Castro. No segundo, Franklin, identifica a necessidade remanescente da presença de missionários norte-americanos em nossa terra "prioritariamente na docência teológica" (47). Castro se rebela e contesta as duas posições. Em sua "análise das práticas discursivas" está preocupado em identificar "o que está por trás da postura" de defesa (47). [5] Sua conclusão é que isso é apenas um esforço de replicar, no Brasil, a experiência norte-americana, questionado por que "precisamos repetir aqui e agora o que foi dito lá e então" (47)? Sua mente fértil elabora toda uma conspiração fundamentalista que está a ameaçar as cabeças pensantes da igreja brasileira.
Partidários de teorias da conspiração tem uma tarefa fácil a desenvolver: se os fatos coletados e apresentados como prova da suposta conspiração são fracionados, não-relacionados entre si, de base duvidosa, ou são coletados apenas de fontes terciárias (as quais, via de regra, comungam com a visão conspiratória do autor), isso apenas prova como os conspiradores são inteligentes e conseguem confundir as evidências da conspiração. Ou seja, "não me confunda com os fatos; a minha pressuposição que já ditou minha conclusão, antes que eu começasse a minha "investigação", determina a existência da conspiração".
Castro é um desses autores que se propõem a provar uma conspiração inexistente. No caso em questão, de fundamentalistas retrógrados norte-americanos, que estariam financiando com vultosas somas teólogos brasileiros para que uma visão teológica atrasada, ultrapassada e destrutiva, atrapalhasse o progresso da igreja evangélica brasileira. Essa conspiração estaria agindo, principalmente, no seio dos batistas, mas não estaria restrita a essa denominação. Seu efeito deletério se faz presente em muitas denominações, num esforço conjugado para apagar o avanço intelectual dos teólogos brasileiros. Sua visão conspiratória é evidenciada por algumas de suas afirmações:
- Sobre o número de obras reformadas publicadas em português, Castro diz: "essa tendência editorial artificiosa e inconsistente, longe de ser "natural" ou espontânea, evidencia uma ação deliberada, profundamente modulada por aparelhos ideológicos a serviço da reprodução a-crítica de modelos teológicos aspirantes à hegemonia" (12).
- O autor chama a atenção para os "... grupos sociais interessados em desenvolver certos pensamentos" (13).
- Referindo-se aos esforços de teólogos norte-americanos para reafirmar a inerrância das escrituras, o autor indica que "...a Bíblia é utilizada de modo beligerante para destruir a reputação de quem pensa diferente". (14)
- Referindo-se a conservadores zelosos e que não desejam que os seminários e igrejas sejam contaminados por uma teologia humanista, destrutiva e dissociada da fé cristã histórica revivida pelos reformadores, ele chama esses de "... grupos sociais que operacionalizam diversas práticas restritivas da autonomia, através de interditos institucionalizados" (15).
- Questionando o envolvimento de missionários batistas norte-americanos no Brasil, identificado com os "founders", nos Estados Unidos, ele diz: "será que há uma ação missionária intencionalmente vinculada à propagação dessa ideologia?" (46).
O terceiro capítulo tem como título: "A ficção de uma facção" e contém a tentativa de provar que não há continuidade histórica teológica nem dentro da Southern Baptist Convention, nem dentro da fé reformada histórica. Aqui, Castro escorrega em algumas afirmações para as quais não existe a mínima substância. Por exemplo, ele coloca como característica dos "founders" (e, possivelmente, de seus replicantes no Brasil) uma aversão ao estudo das línguas originais, indicando que eles "não querem estimular o estudo bíblico no grego e no hebraico" (64). As evidências militam contra a tese do autor. As próprias editoras citadas no primeiro capítulo, como provas da conspiração, são pródigas em trabalhos dedicados ao estudo das línguas originais. A própria Fiel, tem, entre outros, uma concordância e uma tradução interlinear disponível aos leitores de língua portuguesa.
Negar que os batistas históricos tem origens reformadas é uma tarefa fútil e destinada ao fracasso. Não somente a própria Confissão de Fé de New Hampshire, citada pelo autor (69) atesta este fato, como a Confissão de Fé de Londres (1689) - harmônica com a Confissão de Fé de Westminster (1648), apresentam-se como documentos confiáveis que retratavam a fé dos que a eles subscreveram ao longo das gerações. [6] O autor se perde em sua argumentação, pois, incapaz de provar descontinuidade ou ausência da fé reformada nas origens da denominação, passa a desacreditar o conteúdo desses documentos, fomentando a necessidade de evolução do pensamento teológico, indicando que é uma postura digna de "cada louco com sua mania" a percepção de que "na origem batista de todas as coisas se encontrasse o que há de mais inefável e fabuloso" (73). Nem o autor encontrará um conservador que postule perfeição às origens (essa é uma peça de ficção, em sua imaginação), nem a imperfeição significa que devemos evoluir olhando para frente.
As palavras de Martin Lloyd-Jones são pertinentes, como resposta a esse tipo de compreensão evolutiva da teologia: "a maior lição que a Reforma Protestante tem a nos ensinar é justamente que o segredo do sucesso, na esfera da Igreja e das coisas do Espírito é olhar para trás". [7] Lutero e Calvino, diz ele, "foram descobrindo que estiveram redescobrindo o que Agostinho já tinha descoberto e que eles tinham esquecido". [8]
O quarto e último capítulo tem o título: "O jargão, a palavra proibida e a vontade da verdade". Nesse capítulo o autor ressoa, ad nauseam, o seu bordão de que precisamos de uma "emancipação teológica, que somente ocorrerá mediante uma superação das práticas discursivas do fundamentalismo americano" (83). Rebela-se contra a utilização do termo "reformado" (86), em função de sua ligação com o passado ("não seria melhor colocar o termo no gerúndio - "reformando""? - 89). Aqui o autor revela em toda sua extensão o desprezo pelos fatos da história e pelos atos de Deus na preservação de sua igreja, pois escreve com todas as letras: "... o que é fundamental é perceber que Lutero e Calvino nunca reformaram coisa nenhuma e que toda essa lenga-lenga de reforma luterana e calvinista não passa de um grande embuste" (95). [9]
A visão horizontalizada de Castro descarta as implicações sociais da Reforma, sem falar nos fundamentos espirituais e soberanamente dirigidos daquele movimento. Ressaltando o aspecto meramente político, ele afirma: "... é necessário que se diga que quem queria fazer reforma mesmo foi o movimento anabatista". (96). [10] A conclusão do autor é uma "não conclusão". Mantendo-se fiel às suas premissas pós-modernas, ele dispara em todos os sentidos para trazer o leitor a lugar nenhum. Construiu frases de efeito; colocou apelidos interessantes; construiu ilações não substanciadas, mas, no fundo, extraímos apenas a sua profunda frustração com os avanços da fé reformada tanto em solo brasileiro, especialmente no seio dos batistas, como nos Batistas do Sul dos Estados Unidos. Tem uma tarefa impossível - provar-se como legítimo porta-voz batista, enquanto rejeita a doutrina histórica e abraça um intelectualismo estéril que pretende julgar qual a verdadeira teologia, através do estranho no ninho, Foucault.
Ocorre que a correção teológica não é simplesmente uma questão de se rejeitar o antigo e se apegar ao contemporâneo, como deseja o autor. O cabedal de autores clássicos que ele rejeita reflete o ensinamento das Escrituras, mas teologia especulativa não é uma descoberta recente nem uma marca de modernidade, pós-modernidade ou contemporaneidade. Ao longo de toda a história da igreja heresias racionalistas têm surgido, com maior ou menor intensidade. O que Alexandre Castro demonstra é apenas uma mímica mal-feita do racionalismo alemão de F. D. R. Schleiermacher (1768-1834), de A. Ritschl (1822-1889) e outros que se esmeraram em questionar a historicidade dos pontos de fé do cristianismo nos idos do século 18 e 19. Logo ele, que se rebela contra a "teologia oitocentista" (9), vai beber na fonte de autores desacreditados no campo da ortodoxia cristã. Pelo menos poderia ter feito a opção correta pelos "oitocentistas" fiéis às Escrituras. O que não pode alegar, é que sua rejeição latente e sua busca incessante pela descoberta da pólvora teológica, uma "teologia brasileira, com gosto de pitomba, cheiro da terra molhada, ao som do canto de bem-te-vi" (105) o leva para a cena contemporânea em vez de lançá-lo sob as asas dos racionalistas setecentistas.
Teologia verdadeira, é aquela que reflete o que as Escrituras ensinam - seja ela oitocentista, contemporânea, brasileira ou americana. A propósito, o Bem-te-vi (Pintangus sulphuratus), é um pássaro que vive desde a região leste dos Estados Unidos até a Argentina, com a abrangência em cobertura, mais ou menos, da teologia rejeitada por Castro. A pitomba (Eugenia luschnathiana), nativa da Bahia, é cultivada hoje em dia no estado da Flórida, nos Estados Unidos, para onde foi levada em 1914, [11] mantendo o mesmo gosto e textura, representando o traslado e a validade de substância, sem adultério do conteúdo, como ocorre com a fé reformada rejeitada por Castro. A terra molhada brasileira não difere da norte-americana nem da européia, é solo fértil para o crescimento, como a fé reformada rejeitada por Castro tem sido solo fértil ao mover do Espírito. Se Castro abrisse os olhos, preencheria seus anseios no próprio prato do qual se alimentou e que agora rejeita.
Notamos, também, que cada capítulo deste livro é precedido de uma citação de músicas brasileiras (Humberto Gessinger, Titãs, Belchior e Renato Russo). Julgando o conteúdo apresentado e as observações desta resenha, chegamos à conclusão que, como teólogo, o autor é ótimo conhecedor da Música Popular Brasileira.
* O autor é presbítero da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, São Paulo. Fez o Mestrado em Teologia Sistemática no Biblical Theological Seminary, Haftfield, Pa., Estados Unidos. Lecionou no Seminário Presbiteriano do Norte do Brasil, em Recife, e em Institutos Bíblicos da Igreja Presbiteriana do Brasil, em Recife, Manaus e São Paulo. É dirigente de empresas, no estado de São Paulo, de um importante grupo brasileiro de atuação multinacional.
[1] Num lapso esquisito, ele não menciona os textos publicados pela JUERP, como por exemplo, os Esboços de Teologia Sistemática, de A. B. Langston, ou os Elementos da Teologia Cristão, que são textos que refletem a teologia cristã clássica. Por outro lado, o que talvez revele as preferências teológicas do autor, não são mencionadas nenhuma das diversas editoras (entre elas Novo Século, ASTE, Paulus, Sinodal, etc) que têm consistentemente publicado obras antigas dos liberais alemães, ingleses e americanos, como Friedrich Schleiermacher, C. H. Dodd, Jürgen Moltmann, R. Bultmann, P. Tillich, etc.
[2] Karl Barth, Evangelical Theology: An Introduction (Grand Rapids: Eerdmans Publishing Co., 1963), p. 15.
[3] Como Karen Armstrong, Leonardo Boff e McIntire - este não é o Carl McIntire, fundador do Concílio Internacional de Igrejas Cristãs, um fundamentalista radical convicto, mas Carl Thomas McIntire, filho do anterior, que brigou com o pai em 1996, seguindo uma carreira intelectualizada, aberta à heterodoxia, hostil ao movimento fundamentalista.
[4] Em nenhum lugar ele situa a origem do termo fundamentalista com a controvérsia liberal. Seu apanhado histórico da controvérsia é deveras simplista e primário (p.16-17) para um livro tão pretensioso. Aliás, por que ele nem menciona os textos de George Marsden (Understanding Fundamentalism and Evangelicalism, Fundamentalism and American Culture ou Reforming Fundamentalism: Fuller Seminary and the New Evangelicalism) ou Martin Marty (em seus diversos volumes do The Fundamentalism Project)? Estes textos são leitura obrigatória em qualquer estudo que se preze sobre o fundamentalismo cristão americano, em suas diversas etapas. Um outro detalhe para situar os leitores desavisados: os fundamentalistas originais defendiam a inerrância das Escrituras, o nascimento virginal de Cristo, a morte expiatória de Cristo e sua ressurreição, e a segunda vinda de Cristo, contra os liberais (que negavam justamente estes pontos). Pelo tom raivoso de seu libelo contra os fundamentalistas será este autor não crê nestes pontos? É possível alguém abandonar estes pontos e se identificar como cristão? Para os que desejem uma introdução ao tema, do ponto de visa do cristianismo clássico, a obra de J. Gresham Machen, Cristianismo e Liberalismo (São Paulo: Os Puritanos, 2001), é imprescindível.
[5] Neste ponto o autor comete uma elipse imperdoável. Ele cita só parte da entrevista de Franklin Ferreira, no livro O último missionário, do Carlos Caldas (São Paulo: Mundo Cristão, 2001), para tentar provar que realmente existe um complô para fundamentalizar a denominação batista. A pergunta de Carlos Caldas, e a resposta integral estão abaixo. A parte que Castro cita está em itálico Mas ele não cita o restante. Por que não? Por que, aparentemente, não se encaixa nos dados viciados de sua tese: "[Pergunta:] Os missionários estrangeiros ainda têm lugar no Brasil? Em caso de resposta positiva, qual?" [Resposta]: Minha resposta seria sim, prioritariamente na docência teológica! Por uma série de razões, menos de 10% dos missionários estrangeiros servindo em nosso país estão ligados hoje ao ensino teológico - a maioria está envolvida na implantação de novas igrejas, muitas vezes querendo transplantar para o Brasil o modelo de igreja americana, no estilo Rick Warren ou George Barna, que necessariamente pode não ser o ideal de uma igreja do Novo Testamento. Ainda que eles continuem trabalhando com a implantação de novas igrejas, deve ser tomado o cuidado em respeitar os elementos sociais e culturais brasileiros, sem o paternalismo demonstrado por antigas gerações. Então, minha posição está na contra-mão da orientação missiológica das principais agências missionárias estrangeiras atuando no Brasil. E esta nova orientação é a suprema ironia! A partir do final da década de 1980, surgiu uma nova geração de teólogos evangélicos (de verdade!), em ambos os lados do Atlântico Norte, que estudaram com homens como Millard Erickson, J. I. Packer, R. C. Sproul e John Stott, entre outros, e que poderiam nos ajudar a recuperar o tempo perdido no ensino teológico (eu mesmo estudei com dois deles, homens brilhantes e tementes a Deus), nos mantendo atualizados com as tendências teológicas que estão correndo os Estados Unidos e a Europa (e que, com certo atraso, invariavelmente chegarão aqui, para melhor ou para pior), servindo como padrão de erudição acadêmica a serviço do Evangelho de Cristo, estimulando e cooperando com o surgimento de mais programas de mestrado em teologia (e de doutorado!), para uma igreja tão carente de modelos, e tão vulnerável a quaisquer novas tendências doutrinárias ou eclesiológicas (recomendaria, sobre este ponto, o excelente ensaio de Alan Pieratt, "Inteligência a serviço de Cristo, o Rei", em Vox Scripturae, Volume II, Número 2, setembro de 1992, pp. 87-100). Também é revelador que ele ignore as respostas dadas por Franklin às outras duas perguntas ("Em sua opinião, qual é (ou quais são) a principal contribuição dos missionários estrangeiros ao Protestantismo brasileiro?" e "Qual é (ou quais são) o ponto mais problemático da comunidade evangélica brasileira, herança da obra missionária estrangeira no Brasil?") pertinentes ao assunto em questão.
[6] Ele diz: "Os historiadores fundamentalistas não vão às fontes primárias com seriedade e erudição" (p. 66), mas o próprio autor se trai, ao fazer exatamente o que condena. Sua bibliografia é cheia de lacunas (principalmente no que tange ao fundamentalismo, como ficou demonstrado acima) para uma análise tão pretensiosa e ousada. Por exemplo, em nenhum lugar é mencionada da obra de Isaac Backus, A History of New England Baptists: With Particular Reference to the Denomination of Christians Called Baptists? (republicada recentemente pela The Baptist Standard Bearer [(em janeiro de 2001])), um dos primeiros historiadores batistas, e ele mesmo, um reformado. Nem precisava tanto: bastava o autor compulsar o livro de Robert Selph, Os batistas e a doutrina da eleição (São José dos Campos: Fiel, 1990) - que nem é mencionada na bibliografia, para ver que a tese deste autor não tem nenhum fundamento histórico. Nas p. 70ss. o autor começa a falar da diversidade da tradição batista. Mas ele comete mais um lapso histórico. O que está em jogo não é a diversidade dentro da tradição batista (Convenção batista do Norte dos EUA, Convenção Batista do Sul dos EUA, Convenção Batista Geral, Batistas do Sétimo Dia, etc.). O que está em jogo é a história da própria Convenção Batista do Sul dos EUA (SBC), e suas ligações com a Convenção Batista do Brasil. É extremamente sugestivo e revelador que o livro de Israel Belo de Azevedo, A celebração do Indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro (Piracicaba: Unimep & São Paulo: Exodus, 1996) - a obra mais acadêmica e mais importante sobre a história dos batistas publicada no Brasil - não é mencionada nem uma vez nesta seção! Por que não? Porque esta importante obra aponta uma direção diametralmente oposta a do autor! Por que o autor é tão seletivo em suas fontes?
[7] Lloyd-Jones, Rememorando a Reforma, p. 8.
[8] Ibid .
[9] O autor diz: "O ponto de vista aqui defendido indica o quanto é indispensável optar por um labor teológico configurado dentro de um relevante paradigma contextual - uma teologia brasileira. Posição que demanda, concomitantemente, o definitivo abandono da teologia (da repetição) sistemática e a incorporação de uma postura reflexiva indispensável. O que vale é propor o questionamento: Por que pensamos como pensamos? Por que reproduzimos, alienados, estruturas teológicas alienantes? Assim, tendo em vista a infiltração de matrizes teológicas fundamentalistas estadunienses em nosso país, freqüentemente de forma acéfala e fiel, fazer teologia brasileira necessariamente implica descortinar os procedimentos de aculturação ideológica que intentam nos manter na condição de colonizados mentais. E ainda, explicitar aparelhos ideológicos que insistem em nos conduzir a uma imaginação terminal (p. 82)". Descontado a caricatura, o autor simplesmente não esclarece o que é teologia brasileira. Que produção acadêmica tem sido produzida sobre este tema? Qual sua chave hermenêutica? Quais os temas da teologia brasileira? Quem são os proponentes desta teologia brasileira? Aliás, a pergunta mais importante: o que é cultura brasileira? Em nenhum lugar (nem mesmo numa nota de rodapé) é dado subsídios ao leitor para estudar este assunto. O autor presume ingenuamente que exista algo como cultura brasileira, homogênea, sem diferenças e maneirismos locais. O autor pode apontar sinais históricos ou construções históricas concretas na igreja evangélica brasileira que sinalizem para esta teologia brasileira?
[10] É sugestivo que em sua caricatura da teologia da reforma do século XVI ele não menciona nenhuma fonte primária. Ele só trabalha a partir de fontes secundárias. Interessante notar que ele não faz as devidas distinções presentes dentro do próprio movimento anabatista (evangélicos [menonitas], racionalistas e espiritualistas/apocalípticos). É interessante que nem mesmo o livro de Timothy George, Teologia dos Reformadores (São Paulo: Vida Nova, 1993), é mencionado neste ensaio! Por que? Porque, talvez, este livro, por si só, já desmascare a caricatura maldosa que o autor faz da tradição reformada. A falta de domínio histórico do autor fica evidente aqui. Para uma simples comparação entre as diferenças significativas entre a teologia batista e anabatista, basta consultar os textos em J. H. Yoder (copilador), Textos escogidos de la reforma radical (Buenos Aires: Editorial La Aurora, 1976). Mais uma vez o próprio autor se trai: "Os historiadores fundamentalistas não vão às fontes primárias com seriedade e erudição" (p. 66).
|